sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

CARTAS DE MARIE EAU D´ALAC



Cartas de Marie Eau D´alac
            Querido amigo,irmão,pai
Porque não respondes ás minhas cartas?Enviei de Moscovo,Roma,Viena,Londres.
Deixei mensagens no voicemail sempre que regressava ao presente.Vinha cansada mas feliz,cheia de novidades para te contar.As minhas viagens foram bem sucedidas.
Não houve qualquer sinal de desintegração de matéria,ou problemas no ajustamento da programação .Continuo vivendo uma vida normalíssima,comprando roupas bonitas,passando horas embriagada dentro de boutiques finas ou assistindo a acontecimentos inesquecíveis,deslumbrantes,os verdadeiros momentos nos grandes teatros.Marcou-me sobremaneira a estreia da Sara Bernardt.Ou vivendo experiências únicas que só a ti posso confessar:os últimos momentos de Mozart,eu a testemunhar os ensaios do filme do Fellini,a famosa  cena da Fonte di Trevi com a Anita Ekberg e a cena do gatinho sobre a cabeça dela…
Porque não me repondeste ainda?Tinha e ainda tenho tanto a dizer-te.As minhas impressões ,os meus receios,a vontade de partilhar algumas das minhas sensações mais reais e tb as íntimas,sim,porque donde vim eu?conheces esta mulher como se fosse tua filha(e não o serei mesmo?),não existem segredos.ah,um existe.poderei partilhar ou não.é parte de mim que não deverá pertencer a homem algum,nem mesmo ao próprio criador.E,Aqui gostaria de repetir o que confessei na missiva escrita á pressa entre duas estações de metro,enregelada até aos ossos,foi algo de estranho,em saindo ali perto de Westminster,e a aperceber-me de uma silhueta familiar,sentada num banco de jardim,alimentando um conjunto de rolas.era alguém que eu reconhecia de um tempo ido do passado,uma figura trajada á moda dos anos 90 do século vinte.mas ninguém parecia reparar.uma figura de uma idade respeitável.e ao seu lado estavas tu.
Tentei não interferir nesse instante mágico.devia ser um flash colocado por alguém que ,por razões que desconheço,tinha facilidade em transportar cenários completos de outra realidade,de outro vector temporal.Mas senti que fora “mexido” para eu ver,para eu sentir e questionar.Estou a falar nisto sem deixar de mencionar o caso acontecido com a minha irmã Akiko,na semana passada.Ela não reagiu muito bem á coisa.aquilo tocou nela de uma maneira profunda e resultou daí uma raiva imensa contra quem se lembrou de oferecer o fenómeno.E sabes o quanto ela é de sensível.E não foi de grande ajuda teres programado cinturão negro de ken-do a uma miúda tão induzível e imprevisível.A Akiko lembrou-me logo a personagem vivida pela Umma Thurman no Kill Bill do Tarantino,naquela cena em que elimina uma multidão de “mauzinhos da fita” dentro do restaurante.isto por causa do flash que lhe deram a ver,que tinha a ver com algo muito importante da vida dela.Porque ela não creio ter-te perdoado a sua “invenção”.Ela tinha sido uma boneca toda desfeita debaixo das radiações de Nagasaki,no ano de 45.e a criança que a segurava,tinha os dedinhos presos na mão dela.e querendo salvar a boneca,separaram-na da criança.A Akiko contou-me os pesadelos tidos constantemente a partir do dia em que a reconstituíram e depois do seu despertar,a visão da menina apagada em brasa,em cinzas,num muro na cidade destruída.E eu pergunto:terá valido a pena?Até compreendo a vossa intenção.era algo de bom.Mas falhou qualquer coisa.
Não me alongo mais e desejando uma vez mais um pequeno sinal que seja de ti,despeço-me em acordes de sorriso e amor.Vou descansar o meu corpo de porcelana nas praias de Cannes e vou ver se descubro lá a Brigitte Bardot ou o Belmondo ou o Delon.UM GRANDE BEIJO DE APREÇO com a viva eterna esperança de nos revermos em breve.  
TUA                                                    Marie

p.s se puderes manda-me originais do Strauss (pai).aqui onde estou ainda não se inventou o cd.e sei que a Deutsch gramophone possui umas gravações excelentes,para deleite de verdadeiros apreciadores.mas não há comparação possível com a realidade de assistir ao momento do próprio  compositor a dirijir a orquestra.é algo que não irei esquecer.

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