quarta-feira, 7 de maio de 2014

A SEREIAZINHA PEDAÇO 2

E finalmente ela completou quinze anos. "Bem, agora, você já é adulta," disse a velha viúva, que era sua avó, "então, deixe-me enfeitá-la como as suas outras irmãs," e a avó colocou uma coroa de lírios brancos em seus cabelos, e cada pétala da flor era metade de uma pérola. Então, a boa senhora ordenou que oito grandes ostras fossem presas à cauda da princesa a evidenciar sua alta nobreza.
"Mas elas me machucam muito," disse a pequena sereia.
"A nobreza deve suportar a dor," respondeu a boa senhora. Oh, com alegria ela teria sacudido toda aquela grandeza, e colocado de lado a pesada coroa! As flores vermelhas que cultivava em seu jardim lhe teriam sido muito mais apropriadas, mas de nada adiantava: então, ela disse, "Adeus," e subiu tão leve como uma bolha à superfície da água. O sol já tinha ido dormir quando ela levantou a cabeça acima das ondas, mas as nuvens estavam tingidas de vermelho e dourado, e através do crepúsculo cintilante a estrela da noite brilhava com todo seu esplendor.
O mar estava calmo, e a atmosfera estava leve e fresca. Um grande navio, com três mastros, se estendia tranquilo sobre as águas, com apenas uma vela levantada, porque não havia nenhuma brisa, e os marinheiros estavam ociosos no convés enquanto outros retesavam as cordas. Havia canções e musicalidade a bordo, e a medida que a noite se aproximava, centenas de laternas eram acesas, como se as bandeiras de todas as nações tremulassem no ar. A pequena sereia nadou até perto das janelas das cabines, e de vez em quando, quando as ondas a levantavam, ela podia olhar dentro através das janelas transparentes como o vidro, e via dentro um monte de pessoas bem vestidas. Entre elas estava um jovem príncipe, o mais lindo de todos, com olhos negros e arredondados, ele tinha apenas dezesseis anos de idade, e eles estavam comemorando o aniversário dele com muita alegria.
Os marinheiros estavam dançando no convés, mas quando o príncipe saiu para fora da cabine, mais de centenas de foguetes subiram no ar, clareando tudo como se fosse dia. A pequena sereia ficou tão assustada que ela mergulhou para debaixo das águas, e quando ela colocou a cabeça para fora novamente, parecia como se todas as estrelas do céu estivessem caindo ao lado dela, ela nunca tinha visto fogos de artifícios como aqueles antes. Sóis imensos lançavam fogo por toda parte, esplêndidos vagalumes voavam no céu azul, e tudo era refletido no mar calmo lá embaixo. O próprio navio estava tão iluminado que todas as pessoas, e até mesmo a corda mais diminuta, poderia ser vista distinta e claramente. E o jovem príncipe lhe pareceu muito belo, quando ele apertava a mão de todos os presentes e sorria para eles, enquanto a música ecoava através da noite clara.
Já era muito tarde, todavia, a pequena sereia não conseguia tirar os olhos do navio, nem do belo príncipe. As lanternas coloridas haviam se apagado, foguetes não subiam mais para o ar, e o canhão havia cessado de atirar, mas o mar ficou inquieto, e um gemido, um som de alguém resmungando podia ser ouvido debaixo das ondas: era uma pequena sereia que havia ficado perto da janeda da cabine, balançando para cima e para baixo sobre a água, o que permitia que ela olhasse dentro. Depois de algum tempo, as velas foram rapidamente desfraldadas, e o navio real prosseguiu a sua viagem, mas logo as ondas subiram mais altas, nuvens pesadas escureciam o céu, e um relâmpago brilhou na distância. Uma tempestade assustadora estava se aproximando, mais uma vez as velas foram enrizadas, e o grande navio prosseguiu em sua rota de viagem sobre o mar furioso.
As ondas tinham as alturas das montanhas, e subiam mais altas que o mastro, mas o navio mergulhava como se fosse um cisne entre elas, e depois voltava a subir criando majestosas cristas de espumas. Para a pequena sereia tudo era uma grande alegria, mas não para os marinheiros. De repente o navio rangeu e começou a gemer, as pranchas espessas abriam caminho sob o chicoteamento do mar que estourava em cima do convés, o mastro principal foi reduzido a destroços como se fosse um junco, o navio começou a pender de lado, e a água invadia tudo. A pequena sereia agora percebia que a tripulação corria perigo, até ela mesmo tinha que ter cuidado para evitar as vigas e as tábuas do naufrágio que se espalhavam pela superfície.
Em determinados momentos a escuridão era tanta que ela não conseguia enxergar um único objeto, mas o clarão de um relâmpago mostrava toda a paisagem, ela podia ver todos que estavam a bordo com exceção do príncipe, quando o navio se rompeu, ela tinha visto quando ele naufragou nas ondas profundas, e ela ficou feliz, porque pensou que ele agora estaria em sua companhia, e então, ela se lembrou que os seres humanos não podiam viver dentro da água, de modo que quando ele descesse até o palácio de seu pai ele já estaria morto.
Mas ele não deveria morrer. Então, ela nadou no meio das vigas e das tábuas que estavam espalhadas pela superfície do mar, esquecendo-se de que elas poderiam esmagá-la em pedacinhos. Então, ela mergulhou profundamente sob as águas escuras, subindo e descendo com o movimento das ondas, até que finalmente ela conseguiu alcançar o jovem príncipe, que rapidamente perdia a força de nadar naquele mar tempestuoso. Seus braços e pernas já não aguentavam mais, seus lindos olhos estavam fechados, e ele teria morrido se a pequena sereia não tivesse vindo ajudá-lo. Ela manteve a cabeça dele fora da água, permitindo que as ondas o levassem para onde quisessem.
Pela manhã a tempestade já havia passado, mas do navio nem um único fragmento podia ser visto. O sol subia vermelho e reluzente da água, e seus raios traziam de volta os tons de vitalidade no rosto do príncipe, mas seus olhos permaneciam fechados. A pequena sereia beijou-lhe a testa alta e macia, e ajeitou os seus cabelos úmidos, para ela, ele parecia a estátua de mármore que ela tinha em seu pequeno jardim, e tornou a beijá-lo, e desejava que ele estivesse vivo. De repente a paisagem terrestre se desenhou diante dela, ela via as montanhas azuis e majestosas, sobre as quais a neve branca descansava como se um bando de cisnes tivesse pousado sobre elas. Perto do litoral havia lindas florestas verdes, e nas proximidades ficava um construção alta, porém, ela não conseguia dizer se era uma igreja ou um convento.
Pés de laranja e de limão cresciam no jardim, e na frente das portas estendiam-se majestosas palmeiras. O mar nesse ponto formava uma pequena baía, onde a água era muito calma, porém, muito profunda, então, ela nadou com o belo príncipe até a praia, que era coberta por uma areia fina e branca, e ali ela o depositou sob o calor do sol, tomando o cuidado de levantar a cabeça dele mais alto que o corpo. Os sinos tocavam naquele edifício imenso e branco, e um grupo de garotas vieram até o jardim. A pequena sereia nadou um pouco mais além da praia e ficou sentada entre algumas pedras altas que se elevavam da água, então, ela cobriu a cabeça e o pescoço com a espuma do mar de modo que o seu pequeno rostinho não podia ser visto, e ficou observando para saber o que tinha acontecido com o pobre do príncipe.
Ela não precisou esperar muito até que viu uma garota se aproximar do lugar onde ele havia ficado. A princípio, ela pareceu assustada, mas apenas por alguns momentos, depois foi buscar algumas pessoas, e a pequena sereia viu quando o príncipe voltou à vida novamente, e sorria para aqueles que estavam em volta dele. Mas para ela ele não enviou nenhum sorriso, ele não sabia que ela havia salvo sua vida. Isso fez com que ela ficasse muito triste, e quando ele foi conduzido de volta para o grande edifício, ela mergulhou tristemente para dentro da água, e voltou para o castelo de seu pai. Ela sempre tinha sido silenciosa e meditativa, e agora mais do que nunca. As suas irmãs lhe perguntaram o que ela tinha visto durante a sua primeira visita à superfície da água, mas ela não queria lhes contar nada. Muitas noites e muitas manhãs ela visitou o lugar onde havia deixado o príncipe.
Ela viu quando as frutas do jardim amadureceram até serem colhidas, a neve nos topos das montanhas se derreteram, mas ela nunca voltou a ver o príncipe, e então, ela voltou para casa, cada vez mais triste do que antes. Seu único consolo era ficar sentada em seu pequeno jardim, e colocar seus braços em torno da linda estátua de mármore que se parecia com o príncipe, mas ela deixou de cuidar das flores, e elas cresciam em completa confusão pelos caminhos, entrelaçando suas longas folhas e caules em torno dos galhos das árvores, de modo que o lugar ficou todo escuro e sombrio. Até que ela não aguentou esperar mais, e contou para uma de suas irmãs tudo o que tinha acontecido. Então, as outras ficaram sabendo do segredo, e logo uma amiga da pequena sereia também ficou sabendo e suas amigas íntimas por acaso sabiam quem era o príncipe. Ela também tinha participado da festa no convés do navio, e contou para elas de onde o príncipe era, e onde ficava o seu palácio.
"Venha, minha irmãzinha," disseram as outras princesas, então, elas deram-se os braços e subiram fazendo uma grande fileira até a superfície da água, perto do lugar onde elas sabiam que ficava o palácio do príncipe. Esse lugar era construído com pedras brilhantes amarelas, com longos lances de degraus de mármore, um dos quais descia até o mar. Esplêndidas cúpolas douradas subiam acima do telhado, e entre as colunas que cercavam o edifício todo havia estátuas de mármore que pareciam ter vida. Através dos cristais transparentes das majestosas janelas podiam-se ver os aposentos reais, com cortinas de seda caríssimas e tapetes feitos de tapeçaria, ao passo que as paredes estavam cobertas por pinturas belíssimas proporcionando uma visão muito agradável.
No centro do salão mais amplo uma fonte lançava seus jatos de água cintilantes bem alto até a cúpola de vidro do telhado, através do qual o sol espalhava seus reflexos na água e sobre as lindas plantas que cresciam em torno da base da fonte. Agora que ela sabia onde ele morava, ela passava muitas tardes e muitas noites nas águas perto daquele palácio. Ela gostava de nadar bem perto da praia mais do que as outras se atreviam a fazer isso, e de fato, um dia ela chegou quase perto do canal estreito sob a varanda de mármore, que estendia uma sombra enorme sobre a água. Aqui ela gostava de ficar sentada e olhava o jovem príncipe, que estava totalmente sozinho sob o clarão do luar.
Muitas vezes ele ficava observando quando ele saía para velejar à noite num delicioso barco, com músicas tocando e bandeiras balançando. Ela ficava espiando por entre os juncos verdejantes, e se o vento abraçava seu longo véu branco-prateado, aqueles que observassem de longe acreditariam que ela era um cisne, espraiando suas asas. Durante muitas noites, também, quando os pescadores, com suas tochas, saíam para o mar, ela os ouvia contando tantas coisas bonitas sobre as aventuras do jovem príncipe, que ela ficava feliz por ter salvo a vida dele quando ele foi sacudido quase sem vida no meio das ondas. E ela se lembrava de que a cabeça dele estava deitada em seu peito, e que ela o havia beijado com o coração, mas ele não sabia nada a esse respeito, e não poderia jamais sonhar com ela.
Cada vez mais ela gostava dos seres humanos, e desejava cada vez mais poder passear com aqueles cujo mundo parecia ser muito maior que o dela. Eles podiam viajar pelo mar em navios, e subir as altas colinas que ficavam acima das nuvens, e as terras que eles possuíam, suas florestas e seus campos, se estendiam na distância muito além do alcance dos seus olhos. Havia tanto que ela gostaria de conhecer, e as suas irmãs não conseguiam responder a todas as perguntas que ela fazia. Então, ela procurou a sua avó, que sabia tudo sobre o mundo lá em cima, e que ela, com muita propriedade chamava de terra acima do mar.
"Se os seres humanos não se afogarem," perguntou a pequena sereia , "eles podem viver para sempre? eles nunca morrem como nós morremos aqui no mar?"
"Sim," respondeu a gentil senhora, "eles também devem morrer, e o tempo de vida deles é mais curto que o nosso. Nós às vezes podemos viver até trezentos anos, mas quando nós deixamos de existir aqui nós viramos apenas espuma na superfície da água, e nós nem sequer temos uma sepultura aqui embaixo daqueles a quem amamos. Não somos almas imortais, jamais viveremos novamente, mas, assim como as algas verdes, uma vez que tenhamos sido cortados, nunca iremos florir novamente. Os seres humanos, pelo contrário, têm uma alma que vive para sempre, sobrevive ao corpo quando este retorna para o pó. Ela ascende através do ar puro e cristalino para além das estrelas reluzentes. Quando nós saímos fora da água, e contemplamos toda a terra do planeta, eles também sobem até regiões desconhecidas e gloriosas que nós jamais veremos."

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